terça-feira, 14 de agosto de 2012

A Lei dos três R : ritmo,rotina e ritual


 Já na vida intra-uterina, antes mesmo de seu desenvolvimento facial, o feto já é apresentado a noção de ritmo. Através da água e do meio sólido da barriga da mãe, chega a ele, com sonoridade um pouco mais grave do que a normal, o ruído ritmado dos batimentos cardíacos maternos. Este ritmo vivenciado no microcosmo onde se desenvolve o feto, está em consonância com o ritmo que rege todo o Macrocosmo. Diga-se de passagem, sabemos que o número de anos necessários para que o eixo de rotação da Terra execute seu movimento de precessão, equivale a frequência cardíaca adulta multiplicada pelo número de dias de um ano ( 72 x 365~ 25920 sendo 25920 anos = um ano platônico) Atualmente já existem estudos científicos evidenciando redução na incidência de bradicardia e parada respiratória em recém-nascidos prematuros expostos a ausculta da voz materna e dos seus batimentos cardíacos em unidade de tratamento intensivo neonatal.Ninguém sabe explicar a causa exata, mas é como se essa vivência rítmica de alguma maneira comunicasse a sensação de que as coisas funcionam tão bem aqui na Terra ,como no lugar de onde eles vieram, e isso fosse um belo convite a sobrevivência...
Na natureza, tudo respeita o ritmo: o dia e a noite, as marés, os movimentos planetários, a germinação, o florescimento e a reprodução das plantas, os períodos de reprodução dos animais. Da mesma forma que no meio ambiente, a fisiologia tem muitos ciclos naturais. Além da frequência cardíaca, outras frequências biológicas como as do respirar, piscar os olhos, caminhar e os acontecimentos repetidos de sono e vigília. Ritmo é a sucessão de tempos fortes e fracos que se alternam com intervalos regulares, e criar uma rotina com ritmo, não significa seguir horários rígidos. Ritmo é algo mais natural e orgânico, que flui...E a presença do ritmo é uma das condições para que a matéria possa ser permeada por uma organização supra-sensível e para que ocorra o palpitar da vida.



" O amor da criança por ritmo e padrão, no curso geral do dia, é apenas um exemplo de sua busca por ritmo e padrão em sua vida como um todo. Todos notamos como crianças pequenas se deliciam com movimentos rítmicos , em sugar e se balançar, em se controlar ritmicamente, em ouvir antigas canções de ninar e rimas infantis repetitivas, em jogar o corpo e dançar. Tudo isto produz uma profunda harmonia e sensação de paz, impondo-lhe uma ordem sobre o caos do sentimento, bem como sobre os movimentos corporais (...) O ritmo reúne num todo as coisas que seriam, de outro modo, espalhadas, desordenadas, partidas em pedaços. Os sons rítmicos de fala ou de canção por exemplo, criam beleza e evocam amor, enquanto que ruídos e gritos despedaçam o ar e o ouvido, e provocam medo e ódio. Há uma profunda sabedoria na sensação da criança de que ritmo é vida."   ( Betheheim em "A Educação da criança ")




O ritmo aplicado ao tripé da vida

Podemos dizer que a vida se apóia num tripé : alimentação, atividades e sono.  Portanto o ritmo deve ser trazido para esses três aspectos de modo salutar, desde a mais tenra idade até a vida adulta. Consideremos portanto um por um...

Alimentação

"Leite materno...o sangue branco..."     A amamentação é certamente um ato educativo que além de nutrir a criança, introduz o ritmo no cotidiano. A frequência das mamadas favorece a vida rítmica a partir do controle sobre a ingestão dos alimentos e a partir da distinção entre fome e saciedade. É perfeita até o sexto mês, geralmente sem requerer alimentos complementares.
Depois será oficialmente substituída pela "refeição" que também nos mostra uma condição temporal. Alimentamo-nos em intervalos regulares ( café da manhã, colação, almoço , lanche da tarde, jantar e ceia ) sendo que o horário das refeições funciona como um ótimo balizador para o ritmo cotidiano. Atrelar outros eventos diários a ele, como soneca após o almoço e banho antes do jantar, ajuda a criar uma rotina tranquila e acolhedora para os pequenos.
Os hábitos alimentares devem ser cultivados até a adolescência quando o desafio será preservar o "slow food", o comer com qualidade, gosto e boa companhia, ainda que a proposta do mundo inteiro seja diferente.

Atividade 

Após mamar, muitos recém-nascidos evacuam devido ao reflexo gastro-cólico, pois a distensão do estômago preenchido pelo leite produz movimentação intestinal. Para eles, até a troca de fralda obrigatória já constitui uma atividade repetitiva que dita ritmo. Logo eles crescerão e serão promovidos a bebês, bastante entretidos com as mãozinhas, os pés, a boca...Com o desenvolvimento neurológico, as atividades psicomotoras evoluem muito em complexidade, tanto as promovidas em ambiente escolar( cujo ingresso é cada vez mais precoce) como no domicílio e arredores. Isso sem falarmos na tendência a se oferecer as crianças, atividades extra-curriculares várias, criando-se por vezes verdadeiros "mini-executivos", com uma agenda rica em afazeres orientados por adultos.
É recomendável que o repertório de atividades infantis seja guiado também por um ritmo que alterne movimentos de expansão e de retração, que traga a vivência de polaridade e garanta a saúde de nossas crianças em todos os sentidos, não só no físico. Atividades de concentração e mais intelectualizadas, seguidas de atividades expansivas, numa dinâmica constante que acompanha o ciclo da natureza em seu ritmo de inspiração e expiração, vida e morte, verão e inverno,etc.
Ora pintar/desenhar/modelar/construir/ler/escutar/tocar instrumentos...ora dançar/pular/cantar/correr/virar cambalhotas...
Ora a praça ou o parquinho....ora a cabana de índio ou casinha de bonecas...
Ora pegar carona com o vento, ora parar...olhar, ouvir, cheirar e sentir.
Ora o interagir...ora o se isolar.
Ora voltar-se para o mundo, ora reencontrar-se em si mesmo.
Aos responsáveis cabe cuidar para que tudo o que se inicia tenha um fim, pois atividades não finalizadas se refletem em ambientes dispersos e agitados. O ritmo na vida cotidiana também é o elemento que dá disposição e eficiência ao cumprimento de nossas tarefas.
Presenciar de corpo e alma os momentos de inspiração...para depois voltar-se aos seus próprios afazeres nas fases expiratórias.
Permitir também o brincar livre e o ócio criativo e surpreender-se com ele...
Na verdade, chegamos a conclusão de que precisamos trabalhar o ritmo saudável em nós mesmos, antes de tentar mudar algo na rotina de nossos filhos. Afinal, eles são nossos espelhos...


 Sono

"O sol traz o despertar ...e quando se despede, o adormecer..."
A alternância rítmica entre sono e vigília, consciência e inconsciência é um dos aspectos mais fundamentais para a saúde e deve ser valorizado desde cedo. 
Ao nascer, o bebezinho não têm seu relógio biológico bem estabelecido e costuma inverter o dia com a noite. Incorporar o banho de sol na sua rotina, com vestimenta leve apropriada, antes das 10horas e após às 16horas, cinco minutos de barriga para cima e cinco minutos de bruços, ajuda a determinar o ritmo circadiano, devido a estimulação de receptores fotossensíveis presentes em sua retina.
Uma vez estabelecido o ritmo, este deve ser respeitado. Segundo Dr. Derblai Sebben que estudou ritmos biológicos na Universidade de São Paulo e Medicina do Sono na Universidade Federal de SP, a não ser que a criança nasça com um problema neurológico mais grave, a sua "programação genética" é dormir quando o sol se põe e acordar quando o sol nasce, e das 19-20horas há uma ascensão na liberação do hormônio melatonina e uma redução na liberação de adrenalina, o que favorece o adormecer nesse período. Depois isso se inverte.Crianças não devem "perder o trem do sono",sob pena de ficarem cada vez mais acordadas, devido a liberação subsequente de neurotransmissores excitatórios.Os sinais de cansaço podem ser sutis(talvez um discreto coçar dos olhos, um bocejo, uma birra), mas quando só então conduzimos a criança para dormir, certamente já estamos atrasados...Portanto, seria razoável que os pais , ao chegarem em casa, tivessem com seus filhos uma conduta que fosse tranquilizando a criança. Lanchinho leve, colocar na cama, ler uma estória...são opções melhores do que chegar, fazer bagunça, estimular. Deixar interações mais estimulantes como "guerra de travesseiro, etc" para depois do despertar no dia seguinte, que poderia ocorrer mais cedo para suprir a necessidade de interação familiar. Os estudos mostram que em verdade, das 8 às 10 da noite, a criança se beneficia muito mais do sono, do que da presença dos pais. Isso porque até 18-20 anos, o organismo da criança ou do adolescente está em formação, com liberação  do hormônio de crescimento quando dormem. Enquanto nós adultos, dormimos para regenerar os órgãos, a criança dorme para formá-los, e isso é imprescindível sobretudo no que diz respeito ao desenvolvimento neurológico.Enquanto um adulto que dorme mal fica com o ritmo lento, os pequenos ficam "elétricos" e podem ter problemas de comportamento, assim como queda na imunidade.
O tempo de sono recomendável varia de acordo com a idade a saber: 
*Recém-nascido: 15 a 18h/dia
*Até dois anos: 13 a 15h/dia
*De dois a cinco anos:12 a 13h/dia
*De cinco a onze anos:10-12h/dia
 *Adolescente: 9 a 10h/dia.

Pode parecer conversa de gente antiga ou que está desconectada da realidade, mas a questão é muito séria. Se tratarmos nossas crianças como corujas elas poderão se tornar frágeis como passarinhos... É preciso reduzir a estimulação ambiental desligando todo o arsenal tecnológico ( PCs,TVs, IPhones...) e fazê-los dormir cedo como os passarinhos, se quisermos um dia ter filhos,com sabedoria de corujas...



O efeito salutar dos rituais






Rituais são costumes carregados de uma simbologia com significado e importância para aqueles que a praticam. Às vezes parece que não há mais lugar para eles em um mundo tão dinâmico, que exige cada vez ritmos mais acelerados, mas antes de vivenciarem seus rituais de passagem para a vida adulta, as crianças serão especialmente beneficiadas se participarem de pequenos rituais ao longo de sua vida infantil.
Os rituais ajudam a lembrar-lhes que elas fazem parte de algo maior e parte de uma Terra viva que respira. Reforçam a relação entre pais e filhos e demais cuidadores. Desenvolvem o espírito de solidariedade. Dão sentimento de unidade, segurança e apoio num mundo de dificuldades crescentes. Fazem com que a criança desenvolva um senso de pertencimento e do que é certo.
Segundo a antroposofia, a criança no primeiro setênio deve absorver a noção de que "o mundo é bom ", no segundo de que "o mundo é belo" e no terceiro de que "o mundo é verdadeiro". Mas o mundo só pode ser bom, se há gratidão. Só pode ser belo, se há veneração. E só pode ser verdadeiro, se há devoção. Algumas práticas que invoquem o sagrado realizadas de tempos em tempos, independente da religião adotada pela família, ajudam a desenvolver nos menores, esse tipo de atitude diante da vida e participam da manutenção de sua saúde psicológica.
O preparo de um alimento especial, uma oração de agradecimento pela refeição, brindar a saúde mútua, trocar massagens, compartilhar estórias, acender uma vela para o anjinho da guarda antes de dormir, colocar dente de leite embaixo do travesseiro esperando que uma fada o leve...almoço de final de semana na casa de avós, festas de aniversário, Páscoa, Natal...e toda uma gama de acontecimentos repetitivos que tranquilizam e são lembrados com carinho e para sempre como uma doce memória de infância. Mesmo uma mãe que chega do trabalho quando seu filho já dorme, pode amarrar  um lacinho de fita no lençol, indicando que passou por ali...e pela manhã desfazê-lo junto com seu filho já acordado, para depois refazê-lo na noite seguinte...
Os  tempos são outros, mas os ciclos básicos de nossa vida não mudaram. Vale a pena apostar no poder dos ritos para "empoderar" os pequenos, elegendo o ritual que seja mais simples e faça mais sentido para vocês.